"Querido Dono,
Estou escrevendo essa carta em forma de agradecimento. Lembro-me bem do dia em que cheguei. Todos fizeram uma festa! Encheram-me de mimos e paparicos. Passaram-me de braço em braço. Alisaram-se constantemente. Incluindo você! Arranjaram minha casa e a tornaram confortável. Pena que eu ainda sentia a falta da minha mãe... Lembro-me quando me deu boa noite, dizendo que tudo iria ser perfeito agora e que eu estava no lugar certo. E realmente estava! Por que durante meus latidos na noite, você surgia uma, duas, três, infinitas vezes. Eu via sua cara de sono, mas via também a sua cara de preocupação. E foi a partir daí que tudo começou...
Alguns dias de folia se passaram. E então, eu deixei de ser a novidade da casa. Passei de protagonista a figurante. Por que toda vez que me aproximava de alguém pra receber um carinho, recebia gritos e empurrões. Menos você. Continuou me vendo como uma novidade. Continuou me tratando como uma novidade. Só que uma novidade corriqueira e diária. Toda manhã vinha com um grande sorriso me dando bom dia. Alisava-me. Abraçava-me. Toda tarde, me levava para andar. Mostrava-me ruas e becos da cidade. Mostrava-me carro e ônibus. Mostrava-me amigos caninos e humanos. Mostrava-me o que havia do outro lado do muro! Toda noite, brincávamos sem parar. Corríamos pra lá e pra cá. Pulávamos aqui e ali. Até nos cansar. Até você entrar e ter que dormir.
Aquele companheirismo e aquela convivência era a mais verdadeira que pude encontrar. Os dias viraram meses. Os meses viraram anos. Anos de cumplicidade e lealdade. Você começou a sair mais cedo de casa. Não mais me levando pra sair. E só chegava pela noite. E eu ansiava todo dia para a hora de te ver entrando em casa chegar. E quando ela chegava, eu fazia uma tremenda festa! Abanava o rabo. Pulava em seu corpo. Corria em círculos enquanto entrava. Fazia uma alegria por que sabia que aquele momento era meu. Que naquele instante seriamos apenas eu e você: a dupla imbatível! Os amigos inseparáveis!
Até que um dia essa hora não chegou. O dia raiou e você não entrou por aquele portão. Pelo contrário, todos de casa saíram desesperados. E eu fiquei ali, sem entender o que estava acontecendo. Foi então que seus pais me levaram ao hospital e te vi deitado numa maca, cheio de aparelhos esquisitos. Eu via tristeza no olhar de todos, menos no seu. Por que quando me viu, um sorriso tão chamativo estampou seu rosto e me fez, instantaneamente, pular em seus braços. E de novo, estávamos juntos!
Mas, hoje, os lugares inverteram. E sou eu que me encontro numa maca percebendo a tristeza no rosto de todos, até no seu. Culpando-se por ter deixado o portão aberto e me dado brecha para traquinar na rua. Hoje, eu que sinto suas mãos passarem por meu corpo fraco e ensangüentado do acidente que acabei me envolvendo. Sinto suas lágrimas caírem em meus pêlos. E sinto sua mão apertando minha pata. Sua tristeza é tão forte, que acabo sentindo-a pela simples troca de olhar. Hoje, sinto suas memórias percorrem sua mente e sair num pequeno sorriso no canto da boca. E me alegra saber que você me mantém vivo na mente. Alegra-me saber que você lembra de todos os dias que passamos juntos. Da dupla invencível! Dos amigos inseparáveis! Se eu pudesse falar a sua língua, pediria para não se sentir culpado e sim alegre. Por que fomos capazes de criar um laço tão verdadeiro que nem o tempo vai ser capaz de apagar. Um laço que foi dado no instante em que você me deu o seu coração e eu te retribuí com o meu. E isso, é infinito! Por isso, estou aqui, para dizer que sou grato a Deus por ainda existir pessoas como você. Por que são vocês que fazem a vida de qualquer animal, a mais bela arte criada por Deus..."